quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Risco ou 'Arrisco'

"O medo de errar é a porta que nos tranca no castelo da mediocridade"

Nietzsche

Passam os anos e não passas tu...

Chamava-se Inês e ele sabia-o, desde o primeiro dos muitos mails que haviam trocado. Diz-me o teu nome, pedira-lhe ela a dada altura, diz-me como te chamas. E ele, que assinara CB naqueles meses em que, à desgarrada, se haviam trocado memórias foscas e aldrabices pegadas, escreveu-lhe no dia seguinte e disse-lho. Ela, que queria caçar-lhe os desejos e as antigas namoradas, saltou com o olhar aos pulos a parte em que ele lhe descrevia os seus demónios em luta enquadrados no luar minguante, e aterrou logo no fim do texto. Saboreou-lhe o nome como se derretesse um quadrado de chocolate contra o céu da boca e o coração bateu-lhe mais forte na garganta, à ideia de ter dado um passo de gigante na direcção dele. Pedro, Pedro..., Pedro e Inês, pensou, é giro, lembra uma coincidência cósmica, assim uma coisa de karma.
Horas depois, a coberto do negrume da noite (uma noite abre-latas, corta-sebes, descarada e rasante, mata-bicho e sem-vergonha) devolveu-lhe a confidência com empenho inusitado. Falou-lhe dos molhos de crisântemos que todos os anos lhe debruavam as traseiras da casa de família e de como na terra dela se chamavam despedidas de verão por florirem ali mesmo, no sopé do Outono. Envolveu cada palavra num calor íntimo e atrevido e anexou-lhes uma foto dos roxos e púrpura que lhe pintalgavam a entrada da cave. Mas uma foto, calma!, devidamente escortanhada no photoshop, estirpados os degraus de madeira (construídos pelo pai, quarenta anos antes) e os vasos de alfazema que enfeitavam a balaustrada, não fosse ele, sei lá, ter algum um dia rondado a casa e poder reconhecer as despedidas e a lavanda, num instante de namoro com a madeira carcomida (ela queria-o, mas não tanto, nem tão cedo).E foi então, embriagada pela ideia de proximidade que os odores da provença espalhavam pelo alpendre beirão, que no fim acrescentou a primeira letra do seu primeiro apelido, um C, seguido de um ponto. Queria-o a fantasiar, C de Costa? de Correia? de Castro (teria a sua graça)?, mas era ela que se interrogava se ele sentiria a mesma excitação infantil, como um puto que antecipasse uma ida à feira ou ao cinema.
Dormiu mal, domando a custo a ideia selvagem de sair a meio da noite cidade fora, rebolou-se ao correr de cama e achou que havia sonhado com tudo menos com ele, até perceber que o tudo com que havia sonhado, até aquela estranha chuva de balaústres, flores do campo e pernas de mesa, era ele (porque qualquer coisa podia ser ele, tudo n´ele cabia: era uma página, um rosto em branco, prestes a receber um esboço de feições).
De manhã, agarrou-se até ao gabinete no centro onde trabalhava e, só depois sorver um café aflito e de a dentada na sandes de queijo se lhe ter atravessado nas amígdalas, entrou na caixa de correio. A conversa era a mesma de sempre: fragmentos de vida, bocados de gente e ideias pouco convencionais sobre a existência, coisas que lhe aceleravam a imaginação e a aqueciam, dentro da cela fria onde preenchia, das nove às cinco, declarações de IRS e de IRC. Novo salto de canguru para o fim, onde leu Miguel. Miguel? Ele assinara Miguel. Seria Pedro Miguel? Não era. Nos dias que se seguiram, os textos dele, cada vez mais pungentes e em chaga, chegaram-lhe com um nome diferente. Paulo, Tomás, Lucas, Manuel, Diniz, esgotou os apóstolos, depois os reis portugueses: um nome diferente a cada manhã, a rematar-lhe a carne viva, as feridas abertas que ela agora conhecia tão bem. As feridas de um cadáver sem nome, por identificar, de um qualquer John Doe guardado numa morgue e dissecado por ela, médica legista, a conhecer-lhes as causas, exactas e profundas, mas não o sujeito.
Encaixada a frustração e arrumada a um canto, pronto, já está!, ela foi em frente e a cada nome, a cada recuo depois do avanço (que eram as palavras que ele deixava cair, o rei manda dois passos à caranguejo), avançava com mais uma letra do seu apelido, que completaria pouco depois, agora procura-me na lista, indaga-me no cento e dezoito, nas finanças e na segurança social, que eu cá te espero. E ele nada, nadinha shiuuuu!, um cliente alheio e ausente num bar de strip, calado que nem um rato, o fundo de um poço, o olho do furacão, silêncio absoluto por entre a profusão de palavras que lhe despejava no colo. Não obstante, ela continuou, a lê-lo, de pernas abertas e alminha escancarada, a imaginar que ele entrava nela a cada confissão nocturna e a suspirar, a inspirar, a expirar.
Um dia, já exposta até ao osso e deitada nua ao relento dele, a pele arrepiada de galinha ao calor húmido que emanava de cada palavra que lia, ele deixou pura e simplesmente de lhe escrever. Acabou, assim, sem mais nem porquê, como diria Chico.E ela, depois de vários mails sem resposta, nos quais lhe pedira desculpa por qualquer coisinha, assinando apenas Inês, lá se resignou ao dia-a-dia (que voltara para a enrodilhar e esmifrar no seu torno de indiferença, apático e metódico) e voltou a usar o correio electrónico só para a troca de minutas e balancetes com os seus colegas contabilistas.
Por acaso, casou-se com um, que lhe ofereceu a alma e lhe derramou as entranhas sobre a mesa de café logo ao primeiro encontro, mas nunca esqueceu o estranho apóstolo-rei que a ensinou a uivar à lua, nas noites em que esta se lhe oferecia de bandeja, em soturnos quartos minguantes, enquadrados no caixilho de alumínio da janela suburbana.

O QUE FOI!!!



Durante algum tempo, Maria tentou distrair-se com a loucura do Jornal.
Passava todo o tempo a escrever e a anotar e tentava não escrever Maurício em vez de Meritíssimo. Após tantas idas ao tribunal, o mínimo que lhe era exigido era que escrevesse a designação do Juiz correctamente. Mas por vezes lá lhe escapavam umas notas mais lamechas, enroladas em crimes violentos. O que só lhe dava muito mais trabalho quando tinha de perceber tudo o que tinha escrito. Mas o seu bloco de capa rija continha muito do que ía naquela cabecinha ruiva.
Em casa era bastante pior. Sonhava como uma adolescente com uma relação que não existia e que nada indicava que se viesse a consumar. Por sorte já chegava tarde, e menos tempo tinha para as suas curtas metragens. A vida familiar, o Jornal, e todos os projectos em que se envolvia roubavam-lhe o tempo necessário.
Maria gostava de dedicar tempo à família, embora com algumas relações difíceis que não entendia tão bem, eles eram o pilar que lhe permitia suportar alguma dureza. A vida por vezes era um pouco dura, mas tentava lembrar-se da lei da causa - efeito. E eram algumas as consequências de decisões tomadas.
Após o curso de Psicologia Criminal entrou rapidamente no Jornal, onde desenrolava e investigava questões de foro menos nobre. Avaliava situações marginais, desviadas de padrões estabelecidos e estava muito habituada a dar a sua opinião. Mas era o ‘instinto’ que muitas vezes a ajudava nos casos mais complicados.
Era com o seu instinto também, que continuava a querer trabalhar naquela relação que não existia. Havia algo que lhe dizia que encaixavam na perfeição. Eram tão parecidos e tantas coisas. Tinham objectivos tão próximos. Sempre que se lembrava das conversas recordava a sensação de eco. “Eu gosto de mar e sol” (eu também), “Sou muito ligado à família” (eu também). E poderiam ser horas alimentando as mesmas vontades. A verdade é que o arrependimento que a massacrava, sempre se devera ao facto de o considerar a sua versão mais próxima em homem, e como tal perfeito de encaixe. Pensava muitas vezes dizer-lhe mas estava cheia de medos. Iria ser difícil aceitar que do outro lado nada disso se passava. E assim preferia ir fazendo as suas curtas, já longas, metragens. Até porque a verdade é que ela ía além disso. Se a única relação possível fosse a de amizade, Maria considerava que seria igualmente perfeita. Dariam grandes companheiros. Era o que lhe dizia o seu ‘instinto’...
Entre a sua Meditação e o jantar de Lentilhas pensava e repensava....

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

APETECIA-ME....


Hoje fiquei com vontade de comer algodão doce....

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